terça-feira, 1 de junho de 2010

A PERSEVERANÇA DOS SANTOS; Um Estudo Comparativo.





"Tendo por certo isto mesmo, que aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo";(Fp 1.6)

"Porque os que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou"(Rm 8.29,30).

INTRODUÇÃO

Como saber se continuaremos cristãos até o fim da vida? Será que há alguma coisa que nos impeça de nos afastar de Cristo, algo que garanta que nos conservaremos cristãos até a morte e que de fato viveremos com Deus no céu para sempre? Ou será possível que nos afastemos de Cristo e percamos as bênçãos da salvação?

O tema da perseverança dos santos ou da segurança da salvação trata dessas questões: pela perseverança dos santos, todos aqueles que verdadeiramente nasceram de novo serão guardados pelo poder de Deus e perseverarão como cristãos até o final da vida, e só aqueles que perseverarem até o fim realmente nasceram de novo .

Essa definição tem duas partes. Indica primeiro que há uma garantia a ser dada àqueles que realmente nasceram de novo, pois lhes lembra de que o poder de Deus irá conservá-los cristãos até a morte e que certamente viverão com Cristo no céu para sempre. Por outro lado, a segunda metade da definição deixa claro que a perseverança na vida cristã é uma das evidências de que a pessoa realmente nasceu de novo. É importante ter em mente também esse aspecto da doutrina, para que não se dêem falsas garantias a pessoas que na verdade nunca foram crentes.

Convém notar que essa questão é um ponto de forte discordância entre os cristãos evangélicos há muito tempo. Muitos da tradição wesleyana-arminiana sustentam que é possível que alguém realmente nascido de novo venha a perder a salvação, enquanto os cristãos reformados defendem que isso é impossível para uma pessoa verdadeiramente nascida de novo. A maioria dos batistas segue a tradição reformada nesse ponto; porém, eles muitas vezes usam a expressão “segurança eterna” ou “segurança eterna do crente” e não “perseverança dos santos”.

Esse trabalho tem como objetivo apresentar um equilíbrio comparativo entre as divergências de conceitos dos temas, uma vez que, as maiores denominações que primam pelas Escrituras como fonte infalível da sã doutrina. É necessário termos uma melhor compreensão do assunto sem apelar para os extremos, observando as marcas deixadas na história eclesiástica e teológica que esse assunto nos deixou.

CONCEITOS DO TERMO EM “DEBATE”

"Esta segurança infalível não pertence de tal modo à essência da fé, que um verdadeiro crente, antes de possuí-la, não tenha de esperar muito e lutar com muitas dificuldades; contudo, sendo pelo Espírito habilitado a conhecer as coisas que lhe são livremente dadas por Deus, ele pode alcançá-la sem revelação extraordinária, no devido uso dos meios ordinários. É, pois, dever de todo o fiel fazer toda a diligência para tornar certa a sua vocação e eleição, a fim de que por esse modo seja o seu coração no Espírito Santo confirmado em paz e gozo, em amor e gratidão para com Deus, em firmeza e alegria nos deveres da obediência que são os frutos próprios desta segurança. Este privilégio está, pois, muito longe de predispor os homens à negligência ( I Jo 5.13; 1 Co 2.12; 1 Jo 4.13; Hb 6.11,12; 11 Pe 1.10; Rm 5.1,2,5; 14.17; 15.13; Sl 119.32).

Para o teólogo pentecostal Stanley Horton, biblicamente, o termo perseverança não significa que todo aquele que professar a fé em Cristo e se tornar parte de uma comunidade de crentes tem segurança eterna . De acordo com as Escrituras, a perseverança refere-se à operação contínua do Espírito Santo, mediante a qual a obra que Deus começou em nosso coração será levada a bom termo (Fp 1.6).

A teologia reformada usa os termos perseverança ou preservação dos santos quando trata da segurança eterna em Cristo dos verdadeiros cristãos. Esses termos representam uma abordagem equilibrada da doutrina bíblica segundo qual a perseverança na fé cristã é necessária para receber a recompensa final da salvação eterna, sendo porém, garantida pelo fato de que Deus preserva todos aqueles que creram verdadeiramente em Cristo.

Várias outras tradições cristãs divergem tomando um de dois rumos. Por um lado, há quem ensine a possibilidade de pessoas que exercitaram fé salvadora e foram genuinamente regeneradas em Cristo perderem a salvação. Para isso lançam mão de passagens das Escrituras que advertem acerca da apostasia e exigem a obediência a fim de receber a recompensa as salvação eterna ( Sl 69.28; Mt 24.13; Lc 9.32; Jo 2.23-24; 1 Co 9.27; Hb 3.6; 6.1-8; 2 Pe 2.21,22; Ap 2.7,11,17; 22.19).

Por outro lado, alguns ramos da Igreja ensinam que a única coisa necessária para a salvação eterna é uma profissão de fé sincera, uma decisão de receber a Cristo como salvador. Para isso, se valem de passagens que enfatizam a justificação somente pela fé e a salvação como dom gratuito que não pode ser perdido (Jo 3.16; At 16.31; Rm 3.28; Gl 2.16).

O CONCEITO REFORMADO (Calvinista)

É conhecido entre os estudantes de teologia que a doutrina de João Calvino não foi criada por ele. Foi ensinado por santo Agostinho, o grande teólogo do quarto século. Nem tampouco foi criada por Agostinho, que afirmava estar interpretando a doutrina de Paulo sobre a livre graça.

O conceito de Calvino sobre o tema, é como segue; a salvação é inteiramente de Deus; o homem absolutamente nada tem a ver com a salvação. Se ele, o homem se arrepender, crer e for a Cristo, é inteiramente por causa do poder atrativo do Espírito Santo de Deus. Isso se deve ao fato de que a vontade do homem se corrompeu tanto desde a queda, que, sem a ajuda de Deus, não pode nem se arrepender, nem crer, nem escolher corretamente. Esse foi o ponto de partida de Calvino, a completa servidão da vontade do homem ao mal.

A salvação, por conseguinte, não pode ser outra coisa senão a execução dum decreto divino que fixa sua extensão e suas condições.

Naturalmente surge esta pergunta: se a salvação é inteiramente obra de Deus, e o homem não tem nada a ver com ela, então por que Deus não salva a ‘todos’ os homens, posto que todos estão perdidos e desamparados? A resposta de Calvino era; deus predestinou alguns para serem salvos e outros para serem perdidos. A predestinação é o eterno decreto de Deus, pelo qual ele decidiu o que será de cada um e de todos os indivíduos. Pois nem todos são criados na mesma condição, mas a vida eterna estar preordenada para alguns, e a condenação eterna para outros.

Ao agir dessa maneira Deus não é injusto, pois ele não é obrigado a salvar a ninguém, a responsabilidade do homem permanece, pois a queda de Adão foi a sua própria falta, e o homem sempre é responsável por seus pecados. Posto que Deus predestinou certos indivíduos para a salvação. Cristo morreu unicamente pelos “eleitos”, a expiação fracassaria se alguns pelos quais Cristo morreu se perdessem.

Dessa doutrina da predestinação segue-se o ensino de “uma vez salvo sempre salvo”; porque se Deus predestinou um homem para a salvação e unicamente pode ser salvo e guardado pela graça de Deus, que é irresistível, então nunca pode perder-se.

Os defensores da doutrina da “segurança eterna” apresentam as seguintes referências para sustentar sua posição: João 10.28,29; Romanos 11.29; Filipenses 1.6; 1 Pedro 1.5; Romanos 8.35; João 17.6.

O CONCEITO ARMINIANO

O ensino arminiano sobre esse tema é como segue; a vontade de Deus é que todos os homens sejam salvos, porque Cristo morreu por todos (1 Tm 2.4-6; Hb 2.9; 2 Co 5.14; Tt 2.11,12). Com essa finalidade ele oferece sua graça a todos. Embora a salvação seja obra de Deus, absolutamente livre e independente de nossas boas obras ou méritos, o homem tem certas condições a cumprir. Ele pode escolher aceitar a graça de Deus, ou pode resistir-lhe e rejeitá-la. Seu direito de livre arbítrio sempre permanece.

As Escrituras ensinam uma predestinação, mas não que Deus predestina alguns para a vida eterna e outros para o sofrimento eterno. Ele predestina “a todos os que querem” a serem salvos; esse plano é bastante amplo para incluir a todos que realmente desejam ser salvos. Essa verdade tem sido explicada da seguinte maneira: na parte de fora da porta da salvação lemos as palavras; “quem quiser pode vir”, quando entramos por essa porta e somos salvos, lemos as palavras no outro lado da porta: “eleitos segundo a presciência de Deus’. Deus, em razão de seu conhecimento, previu o destino delas, mas não o fixou.

A doutrina da predestinação é mencionada, não com propósito especulativo, e, sim, com propósito prático. Quando Deus chamou Jeremias ao ministério, ele sabia que o profeta teria uma tarefa muito difícil e poderia ser tentado a deixá-la. Para encorajá-lo, o Senhor assegurou ao profeta que o havia conhecido e o havia chamado antes de nascer (Jr 1.5). Com efeito, o Senhor disse; “Já sei o que estar adiante de ti, mas também sei que posso te dar graça suficiente para enfrentares todas as provas futuras e conduzir-te a vitória.” Quando o Novo Testamento descreve os cristãos como objetos da presciência de Deus, seu propósito é dar-nos certeza do fato de que Deus previu todas as dificuldades que surgirão à nossa frente, e que ele pode nos guardar e nos guardará de cair.

COMPARAÇÃO DE CONCEITOS

A salvação é condicional ou incondicional? Uma vez salva, a pessoa é salva eternamente? A resposta dependerá da maneira em que podemos responder às seguintes perguntas-chave: de que depende a salvação? É irresistível a graça?

a. De quem depende, em última análise, a salvação: de Deus ou do homem: certamente deve depender de Deus, porque, quem poderia ser salvo se a salvação dependesse da força da própria pessoa? Podemos estar seguros disto: deus nos conduzirá a vitória, não importa quão débeis ou desatinados sejamos, uma vez que sinceramente desejamos fazer a sua vontade. Sua graça está sempre presente para nos admoestar, reprimir, animar e sustentar.

b. Pode se resistir à graça de Deus? Um dos princípios fundamentais da teologia reformada é que a graça é resistível. Quando Deus decreta a salvação de uma pessoa, seu Espírito atrai, e essa atração não pode ser resistida. Portanto, um verdadeiro filho de Deus o castigará e pelejará com ele. Ilustrando a teoria reformada diríamos; é como se alguém estivesse a bordo de um navio, e levasse um tombo; contudo está a bordo ainda; não caiu no mar.

Mas o Novo Testamento ensina, sim, que é possível resistir à graça divina e resistir para a perdição eterna (João 6.40; Hebreus 6.46;; 10.26-30; 2 Pedro 2.21; Hebreus 2.3; 2 Pedro 1.10), e que a perseverança é condicional dependendo de manter-se em contacto com Deus.

Note-se especialmente Hb 6.4-6 e 10.26-29. Essas palavras foram dirigidas a cristãos. As epístolas de Paulo não foram dirigidas aos não-regenerados. Aqueles aos quais foram dirigidas são descritos como havendo sido uma vez iluminados, havendo provado o dom celestial, participantes do Espírito Santo, havendo provado a boa Palavra de Deus e as virtudes do século futuro. Essas palavras certamente descrevem pessoas regeneradas.

Aqueles aos quais foram dirigidas essas palavras eram cristãos hebreus, que, desanimados e perseguidos (10.32-39), estavam tentados a voltar ao Judaísmo. Antes de serem novamente recebidos na sinagoga, requeria-se deles que, publicamente, fizessem as seguintes declarações (10.29); que Jesus não era Filho de Deus; que seu sangue havia sido derramado justamente como o dum malfeitor comum; e que seus milagres foram operados pelo poder do maligno. Tudo isso está implícito em Hebreus 10.29.

Lendo 1 Coríntios 10.1-12, percebemos os coríntios se haviam jactado de sua liberdade cristã e da possessão dos dons espirituais. Entretanto, muitos estavam vivendo num nível muito pobre de espiritualidade. Evidentemente eles estavam confiando em sua posição e privilégios no Evangelho. Mas Paulo os adverte de que os privilégios podem perder-se pelo pecado, e cita os exemplos dos israelitas. Estes foram libertados duma maneira sobrenatural da terra do Egito, por intermédio de Moisés, e, como resultado, o aceitaram como seu chefe durante a jornada para a terra prometida. A passagem pelo Mar Vermelho foi um sinal de sua dedicação à direção de Moisés. Cobrindo-os estava a nuvem, o símbolo sobrenatural da presença de Deus que os guiava. Depois de salvá-los do Egito, Deus os sustentou, dando-lhes, de maneira sobrenatural, o que comer e beber. Tudo isso significava que os israelitas estavam em graça, isto é; no favor e na comunhão com Deus.

Mas “uma vez em graça sempre em graça” não foi verdade no caso dos israelitas, pois a rota de sua jornada ficou assinalada com as sepulturas dos que foram destruídos em conseqüência de suas murmurações, rebelião e idolatria. O pecado interrompeu sua comunhão com Deus, e, como resultado, eles caíram da graça. Paulo declara que esses eventos foram registrados na Bíblia para advertir os cristãos quanto à possibilidade de perder os mais sublimes privilégios por meio do pecado deliberado.

EQUILÍBRIO ESCRITURÍSTICO DOS CONCEITOS

As respectivas posições fundamentais, tanto do Calvinismo como do Arminianismo, são ensinadas nas Escrituras. O Calvinismo exalta a graça de Deus como a única fonte de salvação, e assim o faz a Bíblia; o Arminianismo acentua a livre vontade e responsabilidade do homem, e assim o faz a Bíblia.

A solução prática consiste em evitar os extremos antibíblicos de um e de outro ponto de vista, e em evitar colocar uma idéia em aberto antagonismo com a outra. Quando duas doutrinas bíblicas são colocadas em posição antagônica, uma contra a outra, o resultado é uma reação que conduz ao erro. Por exemplo: a ênfase demasiada à soberania de e à graça de Deus na salvação pode conduzir a uma vida descuidada, porque se a pessoa é ensinada a crer que conduta e atitude nada têm a ver com sua salvação, pode tornar-se negligente. Por outro lado, ênfase demasiada sobre a livre vontade e responsabilidade do homem, como reação contra o Calvinismo, pode trazer as pessoas sob o jugo do legalismo e despojá-las de toda confiança de sua salvação. Os dois extremos que devem ser evitados são: a ilegalidade e o legalismo.

Quando Charles Finney ministrava em uma comunidade onde a graça de Deus havia recebido excessiva ênfase, ele acentuava muito a responsabilidade do homem. Quando dirigia trabalhos em localidades onde a responsabilidade humana e as obras haviam sido fortemente defendidas, ele acentuava a graça de Deus. Quando deixamos os mistérios da predestinação e nos damos à obra prática de salvar as almas, não temos dificuldades com o assunto. John Wesley era arminiano e George Whitefield calvinista. Entretanto, ambos conduziram milhares de almas a Cristo.

Muitos pregadores piedosos reformados, do tipo de Charles Spurgeon têm pregado a perseverança dos santos de tal modo a evitar a negligência. Eles tiveram muito cuidado de ensinar que o verdadeiro filho de Deus certamente perseveraria até o fim, mas acentuaram que se não perseverassem, poriam em dúvida o fato do seu novo nascimento. Se a pessoa não procurasse andar na santidade, dizia Calvino, bem faria em duvidar de sua eleição.

É inevitável defrontarmo-nos com mistérios quando nos propomos tratar as poderosas verdades da presciência de Deus e a livre vontade de Deus; mas se guardarmos as exortações práticas das escrituras, e nos dedicamos a cumprir os deveres específicos que se nos ordenaram, não erraremos. “As coisas encobertas são para o Senhor Deus, porém as reveladas são para nós” (Dt 29.29).

CONCLUSÃO

Posso concluir sugerindo que não é prudente insistir falando indevidamente dos perigos da vida cristã. Maior ênfase deve ser dada aos meios de segurança; o poder de Cristo como Salvador; a fidelidade do Espírito Santo que habita em nós; a certeza das divinas promessas, e a eficácia infalível da oração.

À luz das Escrituras fica claro que os santos perseveram, não em virtude de uma mudança de caráter constitucional, mas como resultado da influência permanente do Espírito santo que habita dentro de cada um. Os santos se mentem no sentido de que toda a obediência é de sua responsabilidade; toda a sua piedade consiste na sua própria obediência voluntária; porém Deus os mantém, no sentido de que, a cada exemplo e a cada momento de obediência, Ele os persuade, e os ilumina, e os impulsiona a tal ponto que Ele mesmo assegura a obediência voluntária de cada um; ou seja, Ele impulsiona e os santos prosseguem. Ele os persuade e os santos se entregam às suas persuasões.

Na realidade, a certeza da salvação dada a todos os crentes verdadeiros mediante o Espírito Santo que em nós habita, é que, pela graça mediante a fé, estamos em Cristo, nossa redenção e justiça. E, estando nEle, temos segurança eterna. Esta verdade aplica-se aos calvinistas e arminianos. Ambos os pontos de vista concordam que não ousamos presumir, mas não precisamos ter medo.

A certeza da vida eterna é obra do Espírito Santo no coração dos salvos em Cristo Jesus; é a conseqüência natural da esperança; é o resultado da fé; é a vitalidade do amor ao Pai, da submissão ao Filho, das consolações do Espírito.
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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

BERKHOF, L. (2007). Teologia Sistemática. São Paulo: CEP.
FINNEY, C. (2009). Teologia Sistemática. Rio de Janeiro : CPAD.
GENEBRA, B. d. (2009). São Paulo: CEP.
GRUDEM, W. (1999). Teologia Sistemática, atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova.
HORTON, S. M. (2001). Teologia Sistemática. Rio de Janeiro: CPAD.
PEALMAN, M. (2002). Conhecendo as doutrinas da Bíblia. São Paulo: Vida.


Járber SOUSA
Vargem Grande Paulista, SP
01 de junho de 2010

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