terça-feira, 4 de julho de 2017

A GRANDE COMISSÃO NA PERSPECTIVA LUCANA


Chama-se de “A Grande Comissão”, a ordem dada por Cristo ao término do seu ministério terreno, estando agora, ressurreto e em um corpo glorificado diante dos seus discípulos abrindo-lhes “o entendimento para entenderem as Escrituras”. Com a ascensão de Jesus aos céus, inauguraria um movimento religioso que deveria ser mundialmente propagado. E Jesus conta com a colaboração dos seus discípulos, razão pela qual, após a sua ressureição, apareceu a eles inúmeras vezes por um período de quarenta dias, com a finalidade de dar as devidas instruções para o cumprimento da comissão de anunciar as boas novas do Evangelho.
Champlin[1] entende a Grande Comissão como sendo um “imenso empreendimento” que deveria ter prosseguimento pelo esforço dos apóstolos e dos seus discípulos. Tamanho empreendimento deveria ser realizado mediante alguns critérios estabelecidos por Cristo, os quais, este artigo abordará cinco deles, desenvolvido por Lucas no seu Evangelho, e enfatizado no seu segundo volume, o registro de Atos.
Com algumas peculiaridades em relação a Grande Comissão registrada por Mateus (28.18-20) e Marcos (16.15-16), Lucas ressalta este fato vinculado à aparição de Jesus aos seus discípulos imediatamente antes da ascensão. Porém, em Atos, Lucas informa que “houve um período de quarenta dias entre a ressureição e a ascensão, durante o qual Jesus apareceu por diversas vezes a seus discípulos para instruí-los acerca do reino de Deus”[2].
Tomando como referência esta perspectiva lucana da Grande Comissão, pretende-se apresentar a compreensão de Lucas a respeito da missão cristã da igreja.
1.      A centralidade da mensagem de arrependimento e perdão
A missão delegada aos discípulos de Jesus não era de anunciar nada novo que já não tivesse sido anunciado antes. Diferente do registro de Mateus e de Marcos, Lucas enfatiza o que de mais importante consta na mensagem de salvação anunciada pelos discípulos, “arrependimento para remissão, ou seja, perdão de pecados”.
Embora esta missão de chamar ao arrependimento tenha sido dada aos profetas do Antigo Testamento, é no Novo Testamento que esta mensagem se torna mais intensa com a missão de João Batista que segundo o registro de Mateus: surgiu anunciando a necessidade de arrependimento; a necessidade de se produzir “frutos dignos de arrependimento e batizando com água “para arrependimento” (Mt 3.2, 8, 11).
Marcos já informa no início do seu relato (1.4) que João Batista apareceu “pregando batismo de arrependimento para remissão de pecados”.
Lucas com propriedade histórica relata no capítulo três, o ano, os nomes das autoridades e suas respectivas regiões de governo, bem como quem eram os sacerdotes da época em que “veio a palavra de Deus à João”, que percorria toda a circunvizinhança “pregando batismo de arrependimento para remissão de pecados” (vv.1-4);
João é o único evangelista que não menciona a essência da pregação de João Batista, “arrependimento e perdão”, mas é o único que resume esta mensagem destacando um testemunho de João sobre a missão do Messias, que afirm ser este, “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo!” (Jo 1.29). E todo o Novo Testamento declara que esta obra realizada por Cristo, se dar em resposta ao arrependimento humano que resulta em perdão dos pecados.
Esta é a ênfase lucana ao registrar a comissão divina dos discípulos para pregarem “arrependimento para remissão de pecados”. É Lucas também que narra a obediência de Pedro no Cenáculo em resposta à pergunta da multidão contrita; “arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados...” (At 2.38), o resultado desta mensagem trouxe esperança a muitos dos que ali estavam, dos quais, quase três mil deles aceitaram esta palavra (v.41).
2.      O alcance é “todas as nações”
 A mensagem que resulta em salvação, resultado do arrependimento causado pelo poder do Evangelho deve ser levado à todas às nações. Mateus faz uso da mesma expressão “todas as nações” (28.19). Marcos destaca que Jesus comissionou os discípulos a irem “por todo o mundo” e pregarem “a todas as pessoas” (16.15 – NVI). Lucas é fiel no registro do testemunho de seus entrevistados ao dizer que Jesus comissionou que se pregasse “a todas as nações”.
O renomado missiólogo Don Richardson (2008, p. 188), sugere a fácil possibilidade de os cristãos lerem os quatro evangelhos e pensarem que a Grande Comissão foi algo tardio e inesperado. Porém, ele cita uma conjectura que propõe a seguinte cena:
“como se o nosso Senhor Jesus, depois de ter divulgado tudo que falava mais de perto ao seu coração, estalasse os dedos e dissesse: Ah! Por falar nisso, meus amigos, há mais uma coisa. Quero que vocês proclamem esta mensagem a cada pessoa no mundo, sem considerar sua linguagem e cultura. Isso, naturalmente, se vocês tiverem tempo e disposição para tanto”.
Analisando teologicamente a narrativa dos sinóticos, percebe-se que isto corrobora com o ensino geral das Escrituras que declara que “não há quem faça o bem, não há nenhum sequer” (Sl 14.3; Rm 3.10,11). Isto se dar em consequência do mal hereditário, o pecado, que alcançou “a todos os homens” (Rm 5.12), e estes homens (humanidade) estão espalhados por todas as nações, a comissão dada por Jesus se torna “Grande” também por causa da sua extensão, e para se alcançar este objetivo, outros precisam ser alcançados como discípulos para tomarem para si esta responsabilidade de alcançar às nações com a mensagem de arrependimento e perdão.
“os cristãos de hoje tem a responsabilidade de levar o evangelho a todo o mundo. Essa responsabilidade não é apenas do cristão individual, mas também das congregações. Os cristãos juntos podem compartilhar sabedoria, experiência, sustento financeiro, orações e vocações, e direcionar tudo isso para o propósito comum de tornar o nome de Deus conhecido entre as nações” (DEVER, Mark. 2015, p. 122)
O resultado final desta missão já foi revelado à João na visão em que se cantava, “porque foste morto, e com teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação” (Ap 5.9).
3.      O início dever ser por Jerusalém
Embora reconhecendo que a missão deveria se estender por todas as nações, Lucas compreende que isto só seria possível, partindo de onde os discípulos estavam, Jerusalém, e onde em alguns dias, estariam reunidos “homens piedosos, vindos de todas as nações debaixo do céu” (At 2.5).
As expressões utilizadas por Jesus demonstram a importância do ponto de partida para o cumprimento da missão; “começando em Jerusalém” (v.47), e “permanecei, pois, na cidade” (v.49). O mesmo é observado do registro de Atos, onde esta prioridade é enfatizada por Lucas em afirmar que Jesus “determinou-lhes que não se ausentassem de Jerusalém (1.4); “sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém” (1.8) e, “Então, voltaram para Jerusalém” (1.12). E, Lucas observa ainda, por duas vezes a mesma informação; “estavam habitando em Jerusalém” (v.5) e a reposta de Pedro que começa assim; “Varões judeus e todos os habitantes de Jerusalém” (v.14).
O missiólogo David Bosch (2002, p. 124) comenta que:
“A importância que Lucas liga a Israel é corroborada pelo papel central que ele atribui a Jerusalém em sua narrativa. A cidade é, para Lucas, um símbolo teológico altamente concentrado – uma compreensão que ele compartilha com o judaísmo de sua época, para o qual Jerusalém era o centro sagrado do mundo, o lugar onde o Messias faria sua aparição e onde não só a diáspora judaica, mas todas as nações se reuniriam para louvar a Deus.”
Jerusalém pela perspectiva do ministério de Jesus, é o fim, pela perspectiva dos discípulos, era começo, mas, pela perspectiva da missão, era a continuidade do que “Jesus começou a fazer e ensinar” (At 1.1), e que agora os discípulos “começariam a dar continuidade”, por assim dizer, a obra comissionada por Jesus Cristo.
Bosch (2002, p. 123) ressalta ainda que:
“A cidade sagrada é, pois, não só o destino das andanças de Jesus e o lugar de sua morte, mas também o local a partir do qual a mensagem sairá, em círculos concêntricos, para a Judeia, a Samaria e os confinas da terra [...] E aí, no centro de Israel, que o evangelho celebra seus maiores triunfos”.
As primeiras testemunhas, os discípulos, eram de Jerusalém. Estes, anunciaram a salvação aos de fora, mas, que estavam em Jerusalém por ocasião do Pentecostes e também se tornaram testemunhas. Estes, se tornaram alvos de “grande perseguição” que em sua saída de Jerusalém e serem “dispersos pelas regiões da Judeia e Samaria” (At 8.1).
4.      A responsabilidade é das “testemunhas”
Jerusalém, é o fim para o ministério terreno de Jesus, o início da missão para os discípulos e a continuidade para as demais testemunhas que se espalharam pelo mundo anunciando o Evangelho de Cristo. O progresso do Evangelho de Jerusalém até os “confins da terra”, se deu em virtude da obediência das testemunhas de Cristo à grande comissão.
Yago Martins (2015, p. 121), apresenta seis argumentos sobre a aplicabilidade desta ordem:
1.      A Grande Comissão foi uma ordem aos Onze como Onze.
2.      A Grande Comissão foi uma ordem aos Onze como ministros ordenados.
3.      A Grande Comissão foi uma ordem aos Onze como discípulos individuais.
4.      A Grande Comissão foi uma ordem aos discípulos individuais.
5.      A Grande Comissão foi uma ordem aos Onze como povo de Deus, e;
6.      A Grande Comissão foi uma ordem ao povo de Deus.
Entende-se que, a ideia dos Onze como representantes da Igreja cristã nos leva indubitavelmente à conclusão de que a Grande Comissão é uma ordem para todo o povo de Deus[3].
Sobre a aplicabilidade desta ordem aos Onze como representantes de toda a igreja, George Peters (2000, p. 269), argumenta:
Não temos dúvidas de que essa incumbência foi primeiro conferida aos apóstolos, mas a questão que nos atormenta é quem herda o manto dos apóstolos – a igreja ou os cristãos individuais? [...] a Grande Comissão recai principalmente sobre (a igreja). Ela herda a Grande Comissão dos apóstolos e torna-se responsável pela sua realização. Por muito tempo, o individualismo em relação à Grande Comissão, enquanto que a igreja permanece adormecida”.
As primeiras testemunhas, viram a Jesus Cristo ressurreto (Lc 24.36-43); os que não viram, creram na mensagem de Pedro que anunciava o Cristo crucificado e ressuscitado (At 2.23,24); outros que não viram, mas que experimentaram o poder de Jesus, o Nazareno (At 3.6-9); outros creram no testemunho poderoso dos apóstolos a respeito do Cristo ressurreto (At 4.32,33), e muitos outros são alcançados à medida em que estas testemunham fazem jus à responsabilidade de testificarem que Jesus estar vivo, resultando no avanço do Evangelho e na conversão de milhares de pecadores que se tornam testemunhas de Jesus. Sobre tamanho avanço, Lucas registra com precisão que: “A igreja, na verdade, tinha paz por toda a Judéia, Galiléia e Samaria, edificando-se e caminhando no temor do Senhor, e, no conforto do Espírito Santo, crescia em número” (At 9.31).
5.      Deve ser cumprida no poder do Espírito
Toda missão concedida, deve ser cumprida. Mas, precisa-se de meios, ferramentas, armas pelas quais esta missão possa ser concretizada. A grande comissão é uma missão espiritual que é realizada de corpo a corpo, ou por meio do testemunho pessoal. Porém, esta missão precisa de mais do que folhetos, conhecimentos e estratégias missionárias, tudo isto é importante, mas tudo se tornará inútil sem o poder do Espírito Santo, que segundo Jesus, “é a promessa do Pai” (Lc 24.49).
Jesus Cristo, enquanto encarnado, precisou do auxílio do Espírito para cumprir a sua missão (Lc 3.22). E ele conforta os discípulos antes mesmo da sua morte, avisando-lhes que não estariam sozinhos, mas que seriam guiados pelo Espírito Santo. É o apostolo João quem registra as informações de Jesus sobre a missão do Espírito Santo nos seus discípulos. Conforme João 14, o Espírito Santo viria para:
a.         Aconselhar e orientar eles (v.16a)
b.        Estar sempre com eles (v.16b)
c.         Habitar neles (v.17)
d.        Ensinar eles (v.25)
e.         Fazê-los recordar das palavras de Jesus (v.25)
Concorda-se com as palavras do historiador e teólogo Justo Gonzales (2008, p. 46), quando diz:
“É o Espírito Santo que capacita a igreja para a missão e para o discipulado. Por outro lado, é o Espírito Santo quem empurra e surpreende a igreja na missão e no discipulado tal como sucedeu com Pedro em seu encontro com Cornélio (At 10). É também o Espírito Santo de Cristo quem efetua na comunidade dos crentes a reconciliação de Cristo, rompendo barreiras culturais, étnicas, econômicas e religiosas. É o Espírito Santo quem “faz missão” antes mesmo de nossa palavra e ação, preparando os corações e as mentes para a mensagem” (GONZALES, 2008, p. 46).
A atuação do Espírito Santo é de vital importância para o cumprimento da missão. São as testemunhas de Jesus que anunciam a mensagem de arrependimento e perdão, mas, é o Espirito Santo quem convence os ouvintes dos seus pecados, da justiça divina e juízo vindouro (Jo 16.8-11).
Com precisão é que afirma o missiólogo Johannes Brauw (2012, p.114):
“o próprio Cristo faz a sua obra através  da proclamação do evangelho através do Espírito Santo. Ele certamente os encarrega da missão, mas não a delega a eles. É somente pela autoridade do Espírito Santo que os discípulos estarão na posição de serem testemunhas de Cristo até os confins da terra”.

CONCLUSÃO
Observando os fatos até aqui apresentados, compreende-se que “esses elementos constituem as fibras da teologia lucana da missão que atravessa tanto o evangelho quanto Atos, unindo esses dois volumes”.[4]
E a igreja da atualidade, e da futura geração deve prosseguir no cumprimento desta missão. Ir às nações estar cada vez mais fácil, porém, ir apenas por ir, não é o cerne da Grande Comissão. Primeiro, precisa-se ter experimentado o novo nascimento como resultado do perdão alcançado por Cristo, em resposta ao arrependimento verdadeiro; em seguida, ser uma testemunha eficiente que prove com a Palavra e com a própria vida que Jesus está vivo, e pelo poder do Espírito, cumprir a missão de testemunhar a verdade do Evangelho que transforma vidas.
A igreja não deve simplesmente investir em missões, no bairro onde estar localizada ou em outros países. A igreja precisa investir em missões realizadas por testemunhas que experimentaram a obra da regeneração, e que com a ousadia do Espírito assumem a responsabilidade de serem testemunhas da obra feita em sua própria vida, e informar que, Jesus estar vivo e continua perdoando os que se arrependem.
A igreja precisa entender que, a Grande Comissão não se limita em apenas ir, mas em fazer!

Pr. Járber Sousa
Mestrando em Ministério
Seminário Cristão Evangélico do Norte

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BLAUW, Johannes. A natureza missionária da igreja. São Paulo: ASTE, 2012.
BOSH, David J. Missão transformadora, mudanças de paradigma na teologia da missão. São Leopoldo: EST/Sinodal, 2002.
DEVER, Mark. Igreja, o Evangelho visível. São José dos Campos, SP: FIEL, 2015.
GONZALES, Justo; ORLANDI, Carlos Cardoza. História do movimento missionário. São Paulo: Hagnos, 2008.
MARTINS, Yago. Você não precisa de um chamado missionário. Joinvile, SC: BTBooks, 2015.
PETERS, George W. Teologia Bíblica de Missões. Rio de Janeiro, RJ: CPAD, 2000.
RICHARDSON, Don. O fator Melquisedeque: o testemunho de Deus nas culturas por todo o mundo. São Paulo: Vida Nova, 2008.


[1] CHAMPLIN, 2014, vol. 1, p. 814.
[2] Ibidem
[3] MARTINS, 2015, p.130.
[4] BOSCH, 2002, p. 122.

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