Chama-se de “A Grande Comissão”, a ordem
dada por Cristo ao término do seu ministério terreno, estando agora, ressurreto
e em um corpo glorificado diante dos seus discípulos abrindo-lhes “o
entendimento para entenderem as Escrituras”. Com a ascensão de Jesus aos céus,
inauguraria um movimento religioso que deveria ser mundialmente propagado. E
Jesus conta com a colaboração dos seus discípulos, razão pela qual, após a sua
ressureição, apareceu a eles inúmeras vezes por um período de quarenta dias,
com a finalidade de dar as devidas instruções para o cumprimento da comissão de
anunciar as boas novas do Evangelho.
Champlin[1] entende a Grande Comissão
como sendo um “imenso empreendimento” que deveria ter prosseguimento pelo
esforço dos apóstolos e dos seus discípulos. Tamanho empreendimento deveria ser
realizado mediante alguns critérios estabelecidos por Cristo, os quais, este
artigo abordará cinco deles, desenvolvido por Lucas no seu Evangelho, e
enfatizado no seu segundo volume, o registro de Atos.
Com algumas peculiaridades em relação a
Grande Comissão registrada por Mateus (28.18-20) e Marcos (16.15-16), Lucas
ressalta este fato vinculado à aparição de Jesus aos seus discípulos
imediatamente antes da ascensão. Porém, em Atos, Lucas informa que “houve um
período de quarenta dias entre a ressureição e a ascensão, durante o qual Jesus
apareceu por diversas vezes a seus discípulos para instruí-los acerca do reino
de Deus”[2].
Tomando como referência esta perspectiva
lucana da Grande Comissão, pretende-se apresentar a compreensão de Lucas a
respeito da missão cristã da igreja.
1.
A
centralidade da mensagem de arrependimento e perdão
A missão delegada aos discípulos de Jesus
não era de anunciar nada novo que já não tivesse sido anunciado antes.
Diferente do registro de Mateus e de Marcos, Lucas enfatiza o que de mais
importante consta na mensagem de salvação anunciada pelos discípulos,
“arrependimento para remissão, ou seja, perdão de pecados”.
Embora esta missão de chamar ao
arrependimento tenha sido dada aos profetas do Antigo Testamento, é no Novo
Testamento que esta mensagem se torna mais intensa com a missão de João Batista
que segundo o registro de Mateus: surgiu anunciando a necessidade de arrependimento;
a necessidade de se produzir “frutos dignos de arrependimento e batizando com
água “para arrependimento” (Mt 3.2, 8, 11).
Marcos já informa no início do seu relato
(1.4) que João Batista apareceu “pregando batismo de arrependimento para
remissão de pecados”.
Lucas com propriedade histórica relata no
capítulo três, o ano, os nomes das autoridades e suas respectivas regiões de
governo, bem como quem eram os sacerdotes da época em que “veio a palavra de
Deus à João”, que percorria toda a circunvizinhança “pregando batismo de
arrependimento para remissão de pecados” (vv.1-4);
João é o único evangelista que não
menciona a essência da pregação de João Batista, “arrependimento e perdão”, mas
é o único que resume esta mensagem destacando um testemunho de João sobre a
missão do Messias, que afirm ser este, “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do
mundo!” (Jo 1.29). E todo o Novo Testamento declara que esta obra realizada por
Cristo, se dar em resposta ao arrependimento humano que resulta em perdão dos
pecados.
Esta é a ênfase lucana ao registrar a
comissão divina dos discípulos para pregarem “arrependimento para remissão de
pecados”. É Lucas também que narra a obediência de Pedro no Cenáculo em
resposta à pergunta da multidão contrita; “arrependei-vos, e cada um de vós
seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados...” (At
2.38), o resultado desta mensagem trouxe esperança a muitos dos que ali
estavam, dos quais, quase três mil deles aceitaram esta palavra (v.41).
2. O alcance é “todas as nações”
A
mensagem que resulta em salvação, resultado do arrependimento causado pelo
poder do Evangelho deve ser levado à todas às nações. Mateus faz uso da mesma
expressão “todas as nações” (28.19). Marcos destaca que Jesus comissionou os
discípulos a irem “por todo o mundo” e pregarem “a todas as pessoas” (16.15 –
NVI). Lucas é fiel no registro do testemunho de seus entrevistados ao dizer que
Jesus comissionou que se pregasse “a todas as nações”.
O renomado missiólogo Don Richardson
(2008, p. 188), sugere a fácil possibilidade de os cristãos lerem os quatro
evangelhos e pensarem que a Grande Comissão foi algo tardio e inesperado.
Porém, ele cita uma conjectura que propõe a seguinte cena:
“como se o nosso
Senhor Jesus, depois de ter divulgado tudo que falava mais de perto ao seu
coração, estalasse os dedos e dissesse: Ah! Por falar nisso, meus amigos, há
mais uma coisa. Quero que vocês proclamem esta mensagem a cada pessoa no mundo,
sem considerar sua linguagem e cultura. Isso, naturalmente, se vocês tiverem
tempo e disposição para tanto”.
Analisando teologicamente a narrativa dos
sinóticos, percebe-se que isto corrobora com o ensino geral das Escrituras que
declara que “não há quem faça o bem, não há nenhum sequer” (Sl 14.3; Rm
3.10,11). Isto se dar em consequência do mal hereditário, o pecado, que
alcançou “a todos os homens” (Rm 5.12), e estes homens (humanidade) estão
espalhados por todas as nações, a comissão dada por Jesus se torna “Grande”
também por causa da sua extensão, e para se alcançar este objetivo, outros
precisam ser alcançados como discípulos para tomarem para si esta
responsabilidade de alcançar às nações com a mensagem de arrependimento e
perdão.
“os cristãos de
hoje tem a responsabilidade de levar o evangelho a todo o mundo. Essa
responsabilidade não é apenas do cristão individual, mas também das
congregações. Os cristãos juntos podem compartilhar sabedoria, experiência,
sustento financeiro, orações e vocações, e direcionar tudo isso para o
propósito comum de tornar o nome de Deus conhecido entre as nações” (DEVER,
Mark. 2015, p. 122)
O resultado final desta missão já foi
revelado à João na visão em que se cantava, “porque foste morto, e com teu
sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação”
(Ap 5.9).
3.
O
início dever ser por Jerusalém
Embora reconhecendo que a missão deveria
se estender por todas as nações, Lucas compreende que isto só seria possível,
partindo de onde os discípulos estavam, Jerusalém, e onde em alguns dias,
estariam reunidos “homens piedosos, vindos de todas as nações debaixo do céu”
(At 2.5).
As expressões utilizadas por Jesus
demonstram a importância do ponto de partida para o cumprimento da missão;
“começando em Jerusalém” (v.47), e “permanecei, pois, na cidade” (v.49). O
mesmo é observado do registro de Atos, onde esta prioridade é enfatizada por
Lucas em afirmar que Jesus “determinou-lhes que não se ausentassem de Jerusalém
(1.4); “sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém” (1.8) e, “Então, voltaram
para Jerusalém” (1.12). E, Lucas observa ainda, por duas vezes a mesma
informação; “estavam habitando em Jerusalém” (v.5) e a reposta de Pedro que
começa assim; “Varões judeus e todos os habitantes de Jerusalém” (v.14).
O missiólogo David Bosch (2002, p. 124)
comenta que:
“A importância que
Lucas liga a Israel é corroborada pelo papel central que ele atribui a
Jerusalém em sua narrativa. A cidade é, para Lucas, um símbolo teológico
altamente concentrado – uma compreensão que ele compartilha com o judaísmo de
sua época, para o qual Jerusalém era o centro sagrado do mundo, o lugar onde o
Messias faria sua aparição e onde não só a diáspora judaica, mas todas as
nações se reuniriam para louvar a Deus.”
Jerusalém pela perspectiva do ministério de
Jesus, é o fim, pela perspectiva dos discípulos, era começo, mas, pela
perspectiva da missão, era a continuidade do que “Jesus começou a fazer e
ensinar” (At 1.1), e que agora os discípulos “começariam a dar continuidade”,
por assim dizer, a obra comissionada por Jesus Cristo.
Bosch (2002, p. 123) ressalta ainda que:
“A cidade sagrada
é, pois, não só o destino das andanças de Jesus e o lugar de sua morte, mas
também o local a partir do qual a mensagem sairá, em círculos concêntricos,
para a Judeia, a Samaria e os confinas da terra [...] E aí, no centro de
Israel, que o evangelho celebra seus maiores triunfos”.
As primeiras testemunhas, os discípulos,
eram de Jerusalém. Estes, anunciaram a salvação aos de fora, mas, que estavam
em Jerusalém por ocasião do Pentecostes e também se tornaram testemunhas.
Estes, se tornaram alvos de “grande perseguição” que em sua saída de Jerusalém
e serem “dispersos pelas regiões da Judeia e Samaria” (At 8.1).
4.
A
responsabilidade é das “testemunhas”
Jerusalém, é o fim para o ministério
terreno de Jesus, o início da missão para os discípulos e a continuidade para
as demais testemunhas que se espalharam pelo mundo anunciando o Evangelho de
Cristo. O progresso do Evangelho de Jerusalém até os “confins da terra”, se deu
em virtude da obediência das testemunhas de Cristo à grande comissão.
Yago Martins (2015, p. 121), apresenta
seis argumentos sobre a aplicabilidade desta ordem:
1. A
Grande Comissão foi uma ordem aos Onze como Onze.
2. A
Grande Comissão foi uma ordem aos Onze como ministros ordenados.
3. A
Grande Comissão foi uma ordem aos Onze como discípulos individuais.
4. A
Grande Comissão foi uma ordem aos discípulos individuais.
5. A
Grande Comissão foi uma ordem aos Onze como povo de Deus, e;
6. A
Grande Comissão foi uma ordem ao povo de Deus.
Entende-se que, a ideia dos Onze como
representantes da Igreja cristã nos leva indubitavelmente à conclusão de que a
Grande Comissão é uma ordem para todo o povo de Deus[3].
Sobre a aplicabilidade desta ordem aos
Onze como representantes de toda a igreja, George Peters (2000, p. 269),
argumenta:
Não temos dúvidas
de que essa incumbência foi primeiro conferida aos apóstolos, mas a questão que
nos atormenta é quem herda o manto dos apóstolos – a igreja ou os cristãos
individuais? [...] a Grande Comissão recai principalmente sobre (a igreja). Ela
herda a Grande Comissão dos apóstolos e torna-se responsável pela sua
realização. Por muito tempo, o individualismo em relação à Grande Comissão,
enquanto que a igreja permanece adormecida”.
As primeiras testemunhas, viram a Jesus
Cristo ressurreto (Lc 24.36-43); os que não viram, creram na mensagem de Pedro
que anunciava o Cristo crucificado e ressuscitado (At 2.23,24); outros que não
viram, mas que experimentaram o poder de Jesus, o Nazareno (At 3.6-9); outros
creram no testemunho poderoso dos apóstolos a respeito do Cristo ressurreto (At
4.32,33), e muitos outros são alcançados à medida em que estas testemunham
fazem jus à responsabilidade de testificarem que Jesus estar vivo, resultando
no avanço do Evangelho e na conversão de milhares de pecadores que se tornam
testemunhas de Jesus. Sobre tamanho avanço, Lucas registra com precisão que: “A
igreja, na verdade, tinha paz por toda a Judéia, Galiléia e Samaria, edificando-se
e caminhando no temor do Senhor, e, no conforto do Espírito Santo, crescia em
número” (At 9.31).
5.
Deve
ser cumprida no poder do Espírito
Toda missão concedida, deve ser cumprida.
Mas, precisa-se de meios, ferramentas, armas pelas quais esta missão possa ser
concretizada. A grande comissão é uma missão espiritual que é realizada de
corpo a corpo, ou por meio do testemunho pessoal. Porém, esta missão precisa de
mais do que folhetos, conhecimentos e estratégias missionárias, tudo isto é
importante, mas tudo se tornará inútil sem o poder do Espírito Santo, que
segundo Jesus, “é a promessa do Pai” (Lc 24.49).
Jesus Cristo, enquanto encarnado, precisou
do auxílio do Espírito para cumprir a sua missão (Lc 3.22). E ele conforta os
discípulos antes mesmo da sua morte, avisando-lhes que não estariam sozinhos,
mas que seriam guiados pelo Espírito Santo. É o apostolo João quem registra as
informações de Jesus sobre a missão do Espírito Santo nos seus discípulos.
Conforme João 14, o Espírito Santo viria para:
a.
Aconselhar e orientar eles (v.16a)
b.
Estar sempre com eles (v.16b)
c.
Habitar neles (v.17)
d.
Ensinar eles (v.25)
e.
Fazê-los recordar das palavras de Jesus
(v.25)
Concorda-se com as palavras do historiador
e teólogo Justo Gonzales (2008, p. 46), quando diz:
“É o
Espírito Santo que capacita a igreja para a missão e para o discipulado. Por
outro lado, é o Espírito Santo quem empurra e surpreende a igreja na missão e
no discipulado tal como sucedeu com Pedro em seu encontro com Cornélio (At 10).
É também o Espírito Santo de Cristo quem efetua na comunidade dos crentes a
reconciliação de Cristo, rompendo barreiras culturais, étnicas, econômicas e
religiosas. É o Espírito Santo quem “faz missão” antes mesmo de nossa palavra e
ação, preparando os corações e as mentes para a mensagem” (GONZALES, 2008, p.
46).
A atuação do Espírito Santo é de vital
importância para o cumprimento da missão. São as testemunhas de Jesus que
anunciam a mensagem de arrependimento e perdão, mas, é o Espirito Santo quem
convence os ouvintes dos seus pecados, da justiça divina e juízo vindouro (Jo
16.8-11).
Com precisão é que afirma o missiólogo
Johannes Brauw (2012, p.114):
“o próprio Cristo
faz a sua obra através da proclamação do
evangelho através do Espírito Santo. Ele certamente os encarrega da missão, mas
não a delega a eles. É somente pela autoridade do Espírito Santo que os
discípulos estarão na posição de serem testemunhas de Cristo até os confins da
terra”.
CONCLUSÃO
Observando os fatos até aqui apresentados,
compreende-se que “esses elementos constituem as fibras da teologia lucana da
missão que atravessa tanto o evangelho quanto Atos, unindo esses dois volumes”.[4]
E a igreja da atualidade, e da futura
geração deve prosseguir no cumprimento desta missão. Ir às nações estar cada
vez mais fácil, porém, ir apenas por ir, não é o cerne da Grande Comissão.
Primeiro, precisa-se ter experimentado o novo nascimento como resultado do
perdão alcançado por Cristo, em resposta ao arrependimento verdadeiro; em
seguida, ser uma testemunha eficiente que prove com a Palavra e com a própria vida
que Jesus está vivo, e pelo poder do Espírito, cumprir a missão de testemunhar
a verdade do Evangelho que transforma vidas.
A igreja não deve simplesmente investir em
missões, no bairro onde estar localizada ou em outros países. A igreja precisa
investir em missões realizadas por testemunhas que experimentaram a obra da
regeneração, e que com a ousadia do Espírito assumem a responsabilidade de
serem testemunhas da obra feita em sua própria vida, e informar que, Jesus
estar vivo e continua perdoando os que se arrependem.
A igreja precisa entender que, a Grande
Comissão não se limita em apenas ir, mas em fazer!
Pr. Járber Sousa
Mestrando em
Ministério
Seminário
Cristão Evangélico do Norte
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BLAUW,
Johannes. A natureza missionária da
igreja. São Paulo: ASTE, 2012.
BOSH,
David J. Missão transformadora, mudanças
de paradigma na teologia da missão. São Leopoldo: EST/Sinodal, 2002.
DEVER,
Mark. Igreja, o Evangelho visível.
São José dos Campos, SP: FIEL, 2015.
GONZALES, Justo; ORLANDI, Carlos Cardoza. História do movimento missionário. São Paulo: Hagnos, 2008.
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MARTINS,
Yago. Você não precisa de um chamado
missionário. Joinvile, SC: BTBooks, 2015.
PETERS,
George W. Teologia Bíblica de Missões.
Rio de Janeiro, RJ: CPAD, 2000.
RICHARDSON, Don. O fator Melquisedeque: o testemunho de Deus
nas culturas por todo o mundo. São Paulo: Vida Nova, 2008.