terça-feira, 4 de julho de 2017

A GRANDE COMISSÃO NA PERSPECTIVA LUCANA


Chama-se de “A Grande Comissão”, a ordem dada por Cristo ao término do seu ministério terreno, estando agora, ressurreto e em um corpo glorificado diante dos seus discípulos abrindo-lhes “o entendimento para entenderem as Escrituras”. Com a ascensão de Jesus aos céus, inauguraria um movimento religioso que deveria ser mundialmente propagado. E Jesus conta com a colaboração dos seus discípulos, razão pela qual, após a sua ressureição, apareceu a eles inúmeras vezes por um período de quarenta dias, com a finalidade de dar as devidas instruções para o cumprimento da comissão de anunciar as boas novas do Evangelho.
Champlin[1] entende a Grande Comissão como sendo um “imenso empreendimento” que deveria ter prosseguimento pelo esforço dos apóstolos e dos seus discípulos. Tamanho empreendimento deveria ser realizado mediante alguns critérios estabelecidos por Cristo, os quais, este artigo abordará cinco deles, desenvolvido por Lucas no seu Evangelho, e enfatizado no seu segundo volume, o registro de Atos.
Com algumas peculiaridades em relação a Grande Comissão registrada por Mateus (28.18-20) e Marcos (16.15-16), Lucas ressalta este fato vinculado à aparição de Jesus aos seus discípulos imediatamente antes da ascensão. Porém, em Atos, Lucas informa que “houve um período de quarenta dias entre a ressureição e a ascensão, durante o qual Jesus apareceu por diversas vezes a seus discípulos para instruí-los acerca do reino de Deus”[2].
Tomando como referência esta perspectiva lucana da Grande Comissão, pretende-se apresentar a compreensão de Lucas a respeito da missão cristã da igreja.
1.      A centralidade da mensagem de arrependimento e perdão
A missão delegada aos discípulos de Jesus não era de anunciar nada novo que já não tivesse sido anunciado antes. Diferente do registro de Mateus e de Marcos, Lucas enfatiza o que de mais importante consta na mensagem de salvação anunciada pelos discípulos, “arrependimento para remissão, ou seja, perdão de pecados”.
Embora esta missão de chamar ao arrependimento tenha sido dada aos profetas do Antigo Testamento, é no Novo Testamento que esta mensagem se torna mais intensa com a missão de João Batista que segundo o registro de Mateus: surgiu anunciando a necessidade de arrependimento; a necessidade de se produzir “frutos dignos de arrependimento e batizando com água “para arrependimento” (Mt 3.2, 8, 11).
Marcos já informa no início do seu relato (1.4) que João Batista apareceu “pregando batismo de arrependimento para remissão de pecados”.
Lucas com propriedade histórica relata no capítulo três, o ano, os nomes das autoridades e suas respectivas regiões de governo, bem como quem eram os sacerdotes da época em que “veio a palavra de Deus à João”, que percorria toda a circunvizinhança “pregando batismo de arrependimento para remissão de pecados” (vv.1-4);
João é o único evangelista que não menciona a essência da pregação de João Batista, “arrependimento e perdão”, mas é o único que resume esta mensagem destacando um testemunho de João sobre a missão do Messias, que afirm ser este, “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo!” (Jo 1.29). E todo o Novo Testamento declara que esta obra realizada por Cristo, se dar em resposta ao arrependimento humano que resulta em perdão dos pecados.
Esta é a ênfase lucana ao registrar a comissão divina dos discípulos para pregarem “arrependimento para remissão de pecados”. É Lucas também que narra a obediência de Pedro no Cenáculo em resposta à pergunta da multidão contrita; “arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados...” (At 2.38), o resultado desta mensagem trouxe esperança a muitos dos que ali estavam, dos quais, quase três mil deles aceitaram esta palavra (v.41).
2.      O alcance é “todas as nações”
 A mensagem que resulta em salvação, resultado do arrependimento causado pelo poder do Evangelho deve ser levado à todas às nações. Mateus faz uso da mesma expressão “todas as nações” (28.19). Marcos destaca que Jesus comissionou os discípulos a irem “por todo o mundo” e pregarem “a todas as pessoas” (16.15 – NVI). Lucas é fiel no registro do testemunho de seus entrevistados ao dizer que Jesus comissionou que se pregasse “a todas as nações”.
O renomado missiólogo Don Richardson (2008, p. 188), sugere a fácil possibilidade de os cristãos lerem os quatro evangelhos e pensarem que a Grande Comissão foi algo tardio e inesperado. Porém, ele cita uma conjectura que propõe a seguinte cena:
“como se o nosso Senhor Jesus, depois de ter divulgado tudo que falava mais de perto ao seu coração, estalasse os dedos e dissesse: Ah! Por falar nisso, meus amigos, há mais uma coisa. Quero que vocês proclamem esta mensagem a cada pessoa no mundo, sem considerar sua linguagem e cultura. Isso, naturalmente, se vocês tiverem tempo e disposição para tanto”.
Analisando teologicamente a narrativa dos sinóticos, percebe-se que isto corrobora com o ensino geral das Escrituras que declara que “não há quem faça o bem, não há nenhum sequer” (Sl 14.3; Rm 3.10,11). Isto se dar em consequência do mal hereditário, o pecado, que alcançou “a todos os homens” (Rm 5.12), e estes homens (humanidade) estão espalhados por todas as nações, a comissão dada por Jesus se torna “Grande” também por causa da sua extensão, e para se alcançar este objetivo, outros precisam ser alcançados como discípulos para tomarem para si esta responsabilidade de alcançar às nações com a mensagem de arrependimento e perdão.
“os cristãos de hoje tem a responsabilidade de levar o evangelho a todo o mundo. Essa responsabilidade não é apenas do cristão individual, mas também das congregações. Os cristãos juntos podem compartilhar sabedoria, experiência, sustento financeiro, orações e vocações, e direcionar tudo isso para o propósito comum de tornar o nome de Deus conhecido entre as nações” (DEVER, Mark. 2015, p. 122)
O resultado final desta missão já foi revelado à João na visão em que se cantava, “porque foste morto, e com teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação” (Ap 5.9).
3.      O início dever ser por Jerusalém
Embora reconhecendo que a missão deveria se estender por todas as nações, Lucas compreende que isto só seria possível, partindo de onde os discípulos estavam, Jerusalém, e onde em alguns dias, estariam reunidos “homens piedosos, vindos de todas as nações debaixo do céu” (At 2.5).
As expressões utilizadas por Jesus demonstram a importância do ponto de partida para o cumprimento da missão; “começando em Jerusalém” (v.47), e “permanecei, pois, na cidade” (v.49). O mesmo é observado do registro de Atos, onde esta prioridade é enfatizada por Lucas em afirmar que Jesus “determinou-lhes que não se ausentassem de Jerusalém (1.4); “sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém” (1.8) e, “Então, voltaram para Jerusalém” (1.12). E, Lucas observa ainda, por duas vezes a mesma informação; “estavam habitando em Jerusalém” (v.5) e a reposta de Pedro que começa assim; “Varões judeus e todos os habitantes de Jerusalém” (v.14).
O missiólogo David Bosch (2002, p. 124) comenta que:
“A importância que Lucas liga a Israel é corroborada pelo papel central que ele atribui a Jerusalém em sua narrativa. A cidade é, para Lucas, um símbolo teológico altamente concentrado – uma compreensão que ele compartilha com o judaísmo de sua época, para o qual Jerusalém era o centro sagrado do mundo, o lugar onde o Messias faria sua aparição e onde não só a diáspora judaica, mas todas as nações se reuniriam para louvar a Deus.”
Jerusalém pela perspectiva do ministério de Jesus, é o fim, pela perspectiva dos discípulos, era começo, mas, pela perspectiva da missão, era a continuidade do que “Jesus começou a fazer e ensinar” (At 1.1), e que agora os discípulos “começariam a dar continuidade”, por assim dizer, a obra comissionada por Jesus Cristo.
Bosch (2002, p. 123) ressalta ainda que:
“A cidade sagrada é, pois, não só o destino das andanças de Jesus e o lugar de sua morte, mas também o local a partir do qual a mensagem sairá, em círculos concêntricos, para a Judeia, a Samaria e os confinas da terra [...] E aí, no centro de Israel, que o evangelho celebra seus maiores triunfos”.
As primeiras testemunhas, os discípulos, eram de Jerusalém. Estes, anunciaram a salvação aos de fora, mas, que estavam em Jerusalém por ocasião do Pentecostes e também se tornaram testemunhas. Estes, se tornaram alvos de “grande perseguição” que em sua saída de Jerusalém e serem “dispersos pelas regiões da Judeia e Samaria” (At 8.1).
4.      A responsabilidade é das “testemunhas”
Jerusalém, é o fim para o ministério terreno de Jesus, o início da missão para os discípulos e a continuidade para as demais testemunhas que se espalharam pelo mundo anunciando o Evangelho de Cristo. O progresso do Evangelho de Jerusalém até os “confins da terra”, se deu em virtude da obediência das testemunhas de Cristo à grande comissão.
Yago Martins (2015, p. 121), apresenta seis argumentos sobre a aplicabilidade desta ordem:
1.      A Grande Comissão foi uma ordem aos Onze como Onze.
2.      A Grande Comissão foi uma ordem aos Onze como ministros ordenados.
3.      A Grande Comissão foi uma ordem aos Onze como discípulos individuais.
4.      A Grande Comissão foi uma ordem aos discípulos individuais.
5.      A Grande Comissão foi uma ordem aos Onze como povo de Deus, e;
6.      A Grande Comissão foi uma ordem ao povo de Deus.
Entende-se que, a ideia dos Onze como representantes da Igreja cristã nos leva indubitavelmente à conclusão de que a Grande Comissão é uma ordem para todo o povo de Deus[3].
Sobre a aplicabilidade desta ordem aos Onze como representantes de toda a igreja, George Peters (2000, p. 269), argumenta:
Não temos dúvidas de que essa incumbência foi primeiro conferida aos apóstolos, mas a questão que nos atormenta é quem herda o manto dos apóstolos – a igreja ou os cristãos individuais? [...] a Grande Comissão recai principalmente sobre (a igreja). Ela herda a Grande Comissão dos apóstolos e torna-se responsável pela sua realização. Por muito tempo, o individualismo em relação à Grande Comissão, enquanto que a igreja permanece adormecida”.
As primeiras testemunhas, viram a Jesus Cristo ressurreto (Lc 24.36-43); os que não viram, creram na mensagem de Pedro que anunciava o Cristo crucificado e ressuscitado (At 2.23,24); outros que não viram, mas que experimentaram o poder de Jesus, o Nazareno (At 3.6-9); outros creram no testemunho poderoso dos apóstolos a respeito do Cristo ressurreto (At 4.32,33), e muitos outros são alcançados à medida em que estas testemunham fazem jus à responsabilidade de testificarem que Jesus estar vivo, resultando no avanço do Evangelho e na conversão de milhares de pecadores que se tornam testemunhas de Jesus. Sobre tamanho avanço, Lucas registra com precisão que: “A igreja, na verdade, tinha paz por toda a Judéia, Galiléia e Samaria, edificando-se e caminhando no temor do Senhor, e, no conforto do Espírito Santo, crescia em número” (At 9.31).
5.      Deve ser cumprida no poder do Espírito
Toda missão concedida, deve ser cumprida. Mas, precisa-se de meios, ferramentas, armas pelas quais esta missão possa ser concretizada. A grande comissão é uma missão espiritual que é realizada de corpo a corpo, ou por meio do testemunho pessoal. Porém, esta missão precisa de mais do que folhetos, conhecimentos e estratégias missionárias, tudo isto é importante, mas tudo se tornará inútil sem o poder do Espírito Santo, que segundo Jesus, “é a promessa do Pai” (Lc 24.49).
Jesus Cristo, enquanto encarnado, precisou do auxílio do Espírito para cumprir a sua missão (Lc 3.22). E ele conforta os discípulos antes mesmo da sua morte, avisando-lhes que não estariam sozinhos, mas que seriam guiados pelo Espírito Santo. É o apostolo João quem registra as informações de Jesus sobre a missão do Espírito Santo nos seus discípulos. Conforme João 14, o Espírito Santo viria para:
a.         Aconselhar e orientar eles (v.16a)
b.        Estar sempre com eles (v.16b)
c.         Habitar neles (v.17)
d.        Ensinar eles (v.25)
e.         Fazê-los recordar das palavras de Jesus (v.25)
Concorda-se com as palavras do historiador e teólogo Justo Gonzales (2008, p. 46), quando diz:
“É o Espírito Santo que capacita a igreja para a missão e para o discipulado. Por outro lado, é o Espírito Santo quem empurra e surpreende a igreja na missão e no discipulado tal como sucedeu com Pedro em seu encontro com Cornélio (At 10). É também o Espírito Santo de Cristo quem efetua na comunidade dos crentes a reconciliação de Cristo, rompendo barreiras culturais, étnicas, econômicas e religiosas. É o Espírito Santo quem “faz missão” antes mesmo de nossa palavra e ação, preparando os corações e as mentes para a mensagem” (GONZALES, 2008, p. 46).
A atuação do Espírito Santo é de vital importância para o cumprimento da missão. São as testemunhas de Jesus que anunciam a mensagem de arrependimento e perdão, mas, é o Espirito Santo quem convence os ouvintes dos seus pecados, da justiça divina e juízo vindouro (Jo 16.8-11).
Com precisão é que afirma o missiólogo Johannes Brauw (2012, p.114):
“o próprio Cristo faz a sua obra através  da proclamação do evangelho através do Espírito Santo. Ele certamente os encarrega da missão, mas não a delega a eles. É somente pela autoridade do Espírito Santo que os discípulos estarão na posição de serem testemunhas de Cristo até os confins da terra”.

CONCLUSÃO
Observando os fatos até aqui apresentados, compreende-se que “esses elementos constituem as fibras da teologia lucana da missão que atravessa tanto o evangelho quanto Atos, unindo esses dois volumes”.[4]
E a igreja da atualidade, e da futura geração deve prosseguir no cumprimento desta missão. Ir às nações estar cada vez mais fácil, porém, ir apenas por ir, não é o cerne da Grande Comissão. Primeiro, precisa-se ter experimentado o novo nascimento como resultado do perdão alcançado por Cristo, em resposta ao arrependimento verdadeiro; em seguida, ser uma testemunha eficiente que prove com a Palavra e com a própria vida que Jesus está vivo, e pelo poder do Espírito, cumprir a missão de testemunhar a verdade do Evangelho que transforma vidas.
A igreja não deve simplesmente investir em missões, no bairro onde estar localizada ou em outros países. A igreja precisa investir em missões realizadas por testemunhas que experimentaram a obra da regeneração, e que com a ousadia do Espírito assumem a responsabilidade de serem testemunhas da obra feita em sua própria vida, e informar que, Jesus estar vivo e continua perdoando os que se arrependem.
A igreja precisa entender que, a Grande Comissão não se limita em apenas ir, mas em fazer!

Pr. Járber Sousa
Mestrando em Ministério
Seminário Cristão Evangélico do Norte

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BLAUW, Johannes. A natureza missionária da igreja. São Paulo: ASTE, 2012.
BOSH, David J. Missão transformadora, mudanças de paradigma na teologia da missão. São Leopoldo: EST/Sinodal, 2002.
DEVER, Mark. Igreja, o Evangelho visível. São José dos Campos, SP: FIEL, 2015.
GONZALES, Justo; ORLANDI, Carlos Cardoza. História do movimento missionário. São Paulo: Hagnos, 2008.
MARTINS, Yago. Você não precisa de um chamado missionário. Joinvile, SC: BTBooks, 2015.
PETERS, George W. Teologia Bíblica de Missões. Rio de Janeiro, RJ: CPAD, 2000.
RICHARDSON, Don. O fator Melquisedeque: o testemunho de Deus nas culturas por todo o mundo. São Paulo: Vida Nova, 2008.


[1] CHAMPLIN, 2014, vol. 1, p. 814.
[2] Ibidem
[3] MARTINS, 2015, p.130.
[4] BOSCH, 2002, p. 122.

sábado, 13 de maio de 2017

A PREGAÇÃO BÍBLICA E SUA CENTRALIDADE NO CULTO CRISTÃO

INTRODUÇÃO
Pregar a palavra a tempo e fora de tempo foi uma exortação do apóstolo Paulo a Timóteo diante da rejeição de muitos à sã doutrina[1]. Esta exortação deve inflamar o coração dos ministros de Deus dos dias atuais, para que não negligenciem a sua vocação para com o ministério da palavra.
Se a pregação deve ser “a tempo e fora de tempo”, não se deve jamais, aceitar que hajam cultos em que não se priorize a ministração da verdade ao coração do rebanho de Cristo, a Igreja. Numa época em que o relativismo moral tenta a qualquer custo invalidar a atualidade das Escrituras, precisa-se urgentemente, de homens como Paulo que incentivem o cultivo da piedade e o exercício da pregação bíblica, e, também, de homens como Timóteo para abraçarem esta responsabilidade, cumprindo seu ministério com equilíbrio[2].
Entendendo que os problemas enfrentados nos tempos de Paulo ainda permeiam o evangelicalismo brasileiro, e que o valor e atualidade das Escrituras são de imprescindível valor e urgência para a aplicação bíblica ao exercício ministerial, especialmente na pregação, este artigo tem por objetivo apresentar com base bíblica, a utilidade e prioridade da pregação bíblica como elemento litúrgico indispensável dos cultos que se ofertam a Deus.
1.    CONCEITUANDO A PREGAÇÃO BÍBLICA
 A pregação bíblica parte do pressuposto de que a Bíblia é a infalível, inerrante e suficiente palavra de Deus. A crença de que a Bíblia é a única regra de fé e prática tanto de quem prega, como de quem ouve a pregação.
Em relação aos tipos de sermão, concorda-se com Hernandes Dias Lopes quando diz que “seria perfeitamente possível classificar a pregação expositiva como pregação expositiva textual e pregação expositiva tópica”[3]. Esta afirmativa, favorece de certa forma aqueles pregadores que ao longo da história de suas denominações, não obtiveram o treinamento adequado no que diz respeito a elaboração e entrega de sermões expositivos, como consequência, aderiram ao método tópico ou textual de pregar. Hernandes não ver problemas, desde que, se mantenha no foco do texto ou da passagem em foco.
A exposição fiel do texto sagrado é o que deve ocupar os púlpitos das igrejas enquanto cultuam. Pois esta exposição “é o tipo de pregação que, em termos bem simples, expões a Palavra de Deus. Ela toma determinada passagem da Escritura, explica e, em seguida aplica o significado da passagem à vida da congregação”[4]
A pregação bíblica é centrada na Bíblia, é aquela que começa e termina com a Bíblia. Sempre expões o que diz a Bíblia e não o que pensa o pregador. Como diz Fergunson;
“O pregador cria o sermão, não a mensagem. Ele proclama e explica a mensagem que recebeu. Sua mensagem não é original, ela lhe é dada (2Co 5.19). O sermão não é a palavra do pregador, é a Palavra de Deus”[5].
A pregação sendo centrada na Bíblia, consequentemente ela será cristocêntrica. Nenhuma pregação deve omitir o caráter do Salvador. Isso inclui especialmente o Antigo Testamento, embora existam muitos pontos em que Cristo não é encontrado. Isto torna a pregação bíblica indiscutivelmente cristocêntrica. Como diz Duncan, “há apenas um caminho para Deus, que é por intermédio de Jesus Cristo, mas há uma variedade maravilhosa de caminhos no Antigo Testamento para se chegar a Cristo”[6].
A pregação bíblica cristocêntrica é ensinada e exemplificada pelo próprio Cristo em Lucas 24, diante da reclamação dos discípulos que caminhavam sem ânimo para Emaús, devido as suas esperanças no messias terem sido lançadas por terra. Ao que Jesus responde: “Ó néscios e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram! ” (v.25). Jesus sabia que, caso eles soubessem ou lembrassem do registro profético do Antigo Testamento sobre ele, o Cristo, teria ciência da pessoa e natureza do Messias[7]. Razão pela qual Lucas, como resultado das suas pesquisas registra que, “começando por Moisés, discorrendo por todos os profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras” (v. 26, 27).
Percebe-se claramente o exemplo do que deve ser uma pregação genuinamente bíblica e consequentemente cristocêntrica; uma exposição a respeito do Redentor em toda a Escritura.
2.    A NECESSIDADE DA PREGAÇÃO BÍBLICA HOJE
Tendo compreendido o significado adequado de pregação bíblica, vejamos a carência da exposição bíblica nas igrejas de hoje[8].
a.        Causas da centralidade da pregação bíblica
Por centralidade da pregação, não afirmamos com isso que, o louvor, ofertório, leitura pública da Bíblia e outros elementos de uma liturgia devam ser ignorados. O que afirmamos é que nenhum destes elementos litúrgicos de um culto deva ser prioridade em vez da exposição da palavra de Deus.
Uma vez que em 2 Timóteo 3.16, 17 Paulo deixa claro que “Toda a Escritura é”:
· Inspirada por Deus
· Útil para o ensino verdadeiro
· Útil para a repreensão
· Útil para a correção
· Útil para a instrução na justiça
· Tudo isso com a finalidade de nos capacitar para realizarmos toda boa obra
Estas são algumas das inúmeras causas pelas quais a pregação deve ocupar o lugar de prioridade na liturgia do culto cristão. Somente a valorização da exposição da verdade é que pode direcionar o coração da congregação reunida para entender a vontade de Deus para a sua vida e a sua responsabilidade para com Deus.
Todas as causas da razão desta centralidade da Palavra conduzem à solução de um terrível problema enfrentado na eclesiologia atual, a crise de autoridade. Vivemos em uma cultura onde o relativismo compromete a verdade absoluta das Escrituras, torna o que era errado no passado, em correto no mundo pós-moderno. Somente a palavra de Deus anunciada com graça e poder será capaz de transformar mentes corrompidas pelo liberalismo, secularismo e outros “ismos” que ignoram a autoridade da Bíblia e consequentemente, dos ministros do Evangelho.
Em uma análise sobre os desafios do ministério pastoral na atualidade, David Fisher argumenta com precisão sobre a crise de pregação que:
“Em nenhuma área a autoridade é mais significativa para o ministério pastoral do que na pregação, pois é no púlpito que falamos a Palavra de Deus. O tom da nossa liderança é estabelecido na autoridade moral e espiritual que exibimos em nossas pregações. Pregar é a demonstração pública de que a Palavra de Deus opera em nós e é o instrumento que o Senhor utiliza para falar à Igreja e ao mundo. Pregar sem autoridade rouba a essência da Palavra de Deus; é como um exército sem armas. O Evangelho de Cristo exige a autoridade que lhe pertence” (1999, p. 307).
O pastor como pregador jamais deve esquecer de que é um embaixador de Cristo (2Co 5.20), e como representante oficial do Salvador deve fazer uso da sua autoridade como ministro do Evangelho, crendo piamente na autoridade desse mesmo Evangelho que “é poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1.16).

b.   O lugar da pregação bíblica no culto cristão
Sobre a centralidade da pregação com prioridade do culto cristão, o teólogo Graeme Goldsworthy diz que:
“É a tradição da centralidade da Palavra pregada na vida da igreja cristã. Cremos que a pregação não é um item secundário no programa da igreja local, e sim que ela está no próprio âmago do significa ser o povo de Deus. Entendemos a atividade de pregar como o meio primário pelo qual as congregações do povo de Deus expressam submissão à sua Palavra.[9]
A pregação bíblica sempre tem sido prioridade divina ao longo da história da redenção. Já lá no Éden, o próprio Deus se encarregar de anunciar a redenção aos pecadores (Gn 3.15). Comissiona Moisés para ir ao Egito anunciar a libertação aos Hebreus (Êx 3.10-20). Levanta profetas para chamarem o seu povo ao arrependimento e a obediência à Sua Palavra. Jesus separa 12 discípulos para serem apóstolos e com poder a autoridade irem pregar dizendo que o reino do céu havia chegado (Mt 10.5-8), esta responsabilidade de pregar foi intensificada com a Grande Comissão (Mt 28.18-20).
Como resultado da pregação bíblica de Pedro em Atos 2, os primeiros crentes “perseveravam na doutrina (pregação e ensino) dos apóstolos” (v.42). O ministério da pregação era tão evidente que o último versículo do livro de Atos diz: “pregando o reino de Deus e ensinando todas as coisas concernentes ao Senhor Jesus Cristo, com toda a liberdade, sem impedimento algum”.
Portanto, a totalidade das Escrituras demonstram que a pregação deve ocupar um lugar de valor na reunião do povo de Deus, isto é, na celebração do culto que se oferta a Deus.
Pensando nisto, foi que um grupo de teólogos renomados mundialmente formularam uma declaração de afirmações e negações, das quais, uma diz assim:
“Afirmamos a centralidade da pregação expositiva na igreja e a necessidade urgente de um reestabelecimento da exposição bíblica e da leitura pública da Escritura em adoração. Negamos que o louvor honroso a Deus possa marginalizar ou negligenciar o ministério da Palavra como manifestada por meio da exposição e da leitura públicas. Negamos ainda que uma igreja desprovida de pregação bíblica verdadeira possa sobreviver como igreja do evangelho” (apud DEVER, A pregação da cruz, 2010, p.153).
É toda a Escritura que deve direcionar a nossa forma de cultuar a Deus. Tudo o que acontece durante o culto, cada elemento de uma liturgia deve ser pautado pela verdade Bíblica. É a Palavra de Deus que deve ser o princípio regulador do culto cristão. Assim, passaremos a analisar os benefícios trazidos como resultados da centralidade da pregação bíblica no culto à Deus.

3.    OS BENEFÍCOS DA PREGAÇÃO BÍBLICA NA LITURGIA DO CULTO
a.    No louvor
Não há dúvidas de que toda nossa existência, envolvendo o que somos e o que fazemos, deve ter por finalidade a glória de Deus. Deus é louvado quando o seu propósito é executado na criação. E a pregação já louva a Deus pelo fato de ser bíblica, sendo assim, é inevitável que alguns benefícios não resultem no culto onde ela é prioridade.
Por louvor, tomamos o conceito do teólogo bíblico Walter Kaiser Jr que elucida a distinção entre o louvor descritivo e declarativo:
“A distinção essencial entre os dois tipos de louvor pode ser declarada sucintamente: recitar os atributos de ou qualidades de Deus é se envolver em louvor descritivo, mas tratar dos atos de Deus é se envolver em louvor declarativo. Assim, quer o salmista louvasse a Deus por quem ele é (descritivo) ou pelo que ele faz (declarativo), estaria louvando a Deus”.[10]
O apóstolo Paulo tratando sobre o estilo cristão de viver, mas especificamente sobre a liberdade e caridade cristã, ele exorta os crentes de Corinto dizendo: “Portanto, quer comais quer bebais, ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus” (1Co 10.31 – grifo nosso). Qualquer coisa que o ser humano fizer deve visar a glória de Deus.
A pregação bíblica da Verdade tem este propósito, de conduzir a pessoa a agir de conformidade com a vontade de Deus (2Tm 3.17). Sem uma exposição adequada da Palavra de Deus os cânticos nos cultos podem se tornar antropocêntricos, envoltos de promessas e bênçãos divinas como se Deus fosse obrigado a abençoá-los.
Os cânticos só são de fato espirituais, caso descrevam o caráter de Deus ou declarem as suas obras. O saltério judaico, os Salmos, são o modelo de cânticos de devem ser proferidos nos cultos que se dedicam ao Senhor.
Um exemplo de cântico declarativo é o Salmo 105, onde o salmista louva a Deus por preservar o pacto feito com os patriarcas, por ter resgatado seu povo da servidão no Egito e tê-los conduzido pelo deserto até Canaã. O salmo já começa declarando o seu real objetivo: “Louvai ao Senhor, e invocai o seu nome; fazei conhecidas as suas obras entre os povos. Cantai-lhe, cantai-lhe salmos; falai de todas as suas maravilhas” (v.1,2 – grifo nosso).
Fazer conhecidas as obras de Deus e contar todas as suas maravilhas é também uma das razões pelas quais Cristo salvou os que creram nele, fazendo-os povo de Deus, para que estes, anunciem as virtudes daquele que os chamou das trevas para a maravilhosa luz (1Pe 2.9).
Portanto, não há dúvidas de que a pregação bíblica capacita os cristãos para apresentarem um louvor a Deus que descrevam a sua majestade e declare as suas obras, isto sim é louvor verdadeiro.
b.   Na postura
O movimento neopentecostal e alguns ramos do pentecostalismo clássico tem sido afetado em sua conduta diante de Deus enquanto cultuam, por falta de esclarecimento adequado da Palavra, através de uma exposição sadia e honesta da Verdade.
Esta postura não está relacionada somente a movimentos desequilibrados em que os seus defensores confundem com o “ser cheio do Espírito”, mas envolve o coração de quem cultua e a motivação que o faz estar na Igreja, em culto, sem estar cultuando segundo padrão de Jesus em João 4.24, “em espírito e em verdade”.
A Bíblia aponta algumas atitudes em que pessoas manifestavam culto a Deus; alguns levantavam as mãos, outros choravam, enquanto outros se prostravam com o rosto em terra, ou cai para frente reconhecendo seu estado de pecado diante da santidade de Deus, etc. Isto tem a ver com o que Paulo fala em 1Co 10.31; “ou façais qualquer outra coisa, que seja para a glória do Senhor” e prossegue dizendo “Portai-vos de modo que não deis escândalo nem aos judeus, nem aos gregos, nem à igreja de Deus” (v.32).
Que a conduta dos que cultuam a Deus no seu santo templo, possa corresponder com o estilo de vida de um nascido de novo, e que possam louvá-lo “conforme a excelência da sua grandeza” (Sl 150.1).
c.    Na vida cristã diária
Os efeitos de uma boa exposição da Palavra de Deus não se limitam apenas às horas em que dura a liturgia do culto, mas, o que se canta e o que se houve nestas horas, deve permanecer durante a vida além das quatro paredes do templo em que os cristãos se reúnem.
A igreja de Atos é um excelente exemplo deste caso, como resultado de terem perseverado na doutrina dos apóstolos, evidenciavam os resultados da transformação em suas vidas como resultado das Verdades que lhes foram anunciadas. O texto de Atos 2.42-47 deixa claro através dos verbos, que a vida diária deles havia sido moldada segundo a Palavra de Deus:
·         Eles perseveravam na doutrina, na comunhão, no partir do pão e nas orações
·         Na alma deles havia temor
·         Maravilhas e sinais se faziam entre eles
·         Os que criam estavam juntos e tinham comunhão em tudo
·         Vendiam e repartiam o valor das suas propriedades entre os carentes
·         Perseveravam juntos, todos os dias no templo
·         Nas casas, partiam e comiam o pão juntos, com alegria e singeleza de coração
·         Louvavam a Deus
·         Caiam na graça do povo de fora da igreja
·         E todos os dias, Deus acrescentava à igreja aqueles que se haviam de salvar
Não se ver prova maior dos resultados que uma genuína pregação bíblia pode fazer na vida diária de uma igreja.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os cristãos não deveriam viver de outra forma, senão de acordo com a Palavra que um dia ouviram e creram (Ef 1.13). e entender que o louvor a Deus não se limita apenas a música, mas a tudo aquilo que dignifica e engradece o seu nome e reconhece o que ele é e faz.
Com precisão John MacArthur trata deste assunto dizendo que;
“A música, é claro, um meio maravilhoso de adoração. Mas a verdadeira adoração é mais que apenas música, e música – até mesmo a música cristã – não é necessariamente adoração autêntica. A música pode ser um instrumento para a expressão da adoração, mas existem outras disciplinas espirituais que se aproximam mais da essência da pura adoração – atividades como orar, ofertar, dar ação de graças e ouvir a Palavra de Deus quando ela é proclamada e exposta[11]
Com isto, conclui-se que, a pregação bíblica, mais que qualquer outro elemento da liturgia de um culto, deve ser prioridade e ocupar o seu devido lugar no culto a Deus. Sendo assim, todos os demais elementos do culto serão moldados de acordo com o que a congregação aprendeu através da exposição das Escrituras.
Sola Scriptura!
Pr. Járber Sousa
São Luiz-MA, em 12 de maio de 17.
SCEN - Seminário Cristão Evangélico do Norte.








REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DEVER, Mark. MACARTHUR, John. A pregação da cruz. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.
FISHER, David. O pastor do século 21. São Paulo: Vida, 1999.
GOLDSWORTHY, Graeme. Pregando toda a Bíblia como escritura cristã. São Bernardo do Campo, SP: FIEL, 2013.
KAISER, Walter. Pregando e ensinando a partir do Antigo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2014.
LOPES, Hernandes Dias. Pregação expositiva e sua importância para o crescimento da igreja. São Paulo: Hagnos, 2010.
MACARTHUR, John. Adoração, a prioridade suprema. São Paulo: Hagnos, 2014.




[1] 2 Timóteo 4.1-3
[2] 2 Timóteo 4.5
[3] LOPES, 2008, p. 18-9
[4] DEVER, 2009, p.57.
[5] Apud LOPES, 2008, p. 19.
[6] A pregação da cruz. São Paulo: Cultura Cristã, 2010 (p. 45).
[7] Ibidem, p. 43.
[8] Por Igrejas de hoje o artigo se refere à Igreja não de forma geral, mas às comunidades que se reúnem sob qualquer outra perspectiva que não seja a de viver genuinamente conforme a essência da mensagem bíblica.
[9] Pregando toda a Bíblia como escritura cristã. São José dos Campos, SP: FIEL, 2013. p. 31-2.
[10] Pregando e ensinando a partir do Antigo Testamento, Rio de Janeiro: 2014, p. 179.
[11] Adoração, a prioridade suprema. São Paulo: Hagnos, 2014, p. 11.